Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes é uma das figuras mais intelectuais de nossa literatura e representante da segunda geração do Modernismo.
Poeta, músico, dramaturgo, cronista, jornalista, diplomata e crítico de cinema, formado em Letras e em Direito.
Foi um dos fundadores do movimento musical Bossa Nova. Sua vasta obra é leitura obrigatória para quem aprecia a arte da poesia, do amor e suas consequências.
Soneto de Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

A religiosidade, o amor, o desejo, o cotidiano, o engajamento político, assim como a poesia e a música, são alguns aspectos da trajetória de Vinicius de Moraes.
Cronologia
1913 – Nascimento de Vinicius de Moraes, na madrugada de 19 de outubro na Gávea (RJ).
1916 – Mudança da família para o bairro de Botafogo (RJ), passando a morar com seus avós paternos.
1917 – Nova mudança para a Rua da Passagem, ainda em Botafogo. Nascimento de seu irmão Helius e o início para a escola primária Afrânio Peixoto.
1920 – Já em outra residência, é batizado na maçonaria.
1922 – Última residência em Botafogo e mudança para a Ilha do Governador.
1923 – Faz sua primeira comunhão na Matriz da Rua Voluntários da Pátria.
1924 – Inicia seu curso secundário no Colégio Santo Inácio, na Rua São Clemente. Inicia sua experiência no coro do colégio e escreve, junto a outros alunos, o épico escolar, em dez cantos, de inspiração camoniana: Os Acadêmicos.
1927 – Forma um pequeno conjunto musical com outros alunos e passa a cantar em festinhas, em casas de famílias conhecidas.
1928 – Compõe, com os irmãos Tapajós, Loura ou Morena e Canção da noite, que obteve grande sucesso popular.
1929 – Torna-se Bacharel em Letras.
1930 – Entra para a faculdade de Direito. Defende tese sobre a vinda de Dom João VI para o Brasil para ingressar no Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e Sociais.
1931 – Entra para o Centro de Preparação de Oficiais da reserva (CPOR).
1933 – Forma-se em Direito e termina o Curso de Oficial da reserva. Publica seu primeiro livro : “O Caminho para a distância.”
1935 – Publica “Forma e Exegese.”
1936 – Publica, em separata, o poema Ariana, a Mulher.” Substitui Prudente de Moraes como representante do Ministério da Educação.
1938 – Publica Novos Poemas. Ganha bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford. Torna-se assistente do programa brasileiro na BBC.
1939 – Casa-se, por procuração, com Beatriz Azevedo de Mello. Volta da Inglaterra devido a II Grande Guerra, encontra com Oswald de Andrade e ambos retornam ao Brasil.
1940 – Nasce sua primeira filha Susana. Em São Paulo, liga-se a Mário de Andrade.
1941 – Inicia sua carreira jornalística e colabora no Suplemento Literário ao lado de grandes escritores, como Cecília Meireles e Manuel Bandeira.
1942 – Inicia seu debate sobre cinema silencioso e cinema sonoro; nasce seu filho Pedro; chefia uma caravana de escritores a Belo Horizonte sob o convite do então prefeito Juscelino Kubitschek. Inicia a roda literária do Café Vermelhinho, à qual se misturam a maioria de jovens arquitetos e artistas plásticos.
1943 – Publica “Cinco Elegias” e ingressa, por concurso, na carreira diplomática.
1944 – Dirige o “Suplemento Literário” de O Jornal”, em que lança, entre outros, Oscar Niemeyer, Athos |Bulcão e Carlos Scliar.
1945 – Sofre um grave acidente de avião no Uruguai; faz amizade com Pablo Neruda.
1946 – Como Vice-cônsul parte para Los Angeles e estuda cinema com Orson Welles; lança a revista Film.
1949 – João Cabral de Melo Neto, em Barcelona, tira, em sua prensa manual, uma edição de 50 exemplares de seu poema Pátria Minha.
1950 – Reencontra seu amigo Di Cavalcanti, visita seu amigo enfermo Pablo Neruda; morre seu pai; retorna ao Brasil.
1951 – Casa-se, pela segunda vez, com Lila Maria Esquerdo e Bôscoli. Colabora com o jornal Última Hora.
1952 – Produz uma filmagem, com seus primos, sobre algumas cidades mineiras que compõem o roteiro do Aleijadinho, em vista de um filme. Parte para a Europa, encarregado de estudar a organização dos festivais de cinema de Cannes, entre outras cidades, para a realização do Festival de Cinema de São Paulo.
1953 – Nasce sua filha Georgiana. Entre outros feitos, compõe seu primeiro samba “Quando tu passas por mim.”
1954 – Primeira edição de Antologia Poética.
1956 – Estando em Paris, regressa ao Brasil em gozo de licença-prêmio. Nasce sua terceira filha, Luciana. Publica o poema Operário em Construção. Participa de inúmeros eventos com ilustres, como Antônio Carlos Jobim e João Gilberto. Início do movimento convencionalmente chamado de bossa-nova.
1957 – Publicação de “Livros de Sonetos”, em edição de Livros de Portugal.
1958 – Sofri um grave acidente de automóvel. Casa-se com Maria Lúcia Proença. Lançamento de um LP com várias músicas, entre elas, Chega de saudade, considerado o marco inicial do movimento.
1961 – Começa a compor com Carlos Lira e Pixinguinha.
1962 – Faz composições com Baden Powell, Carlos Lyra, Tom Jobim, João Gilberto, Ari Barroso, Odete Lara e Edu Lobo. Gravação da música “Garota de Ipanema.”

1963 – Casa-se com Nelita Abreu Rocha; parte para Paris na Delegação do Brasil junto à UNESCO.
1964 a 1967 – Faz shows de grande sucesso com inúmeros músicos de destaque, lança seu livro de crônicas Para uma menina com uma Flor, pela Editora do Autor.
1968 – Falecimento de sua mãe. Primeira edição de sua Obra Poética, pela Companhia José Aguilar Editora.
1978 – Casa-se com Gilda Mattoso.
1980 – Falecimento no Rio de Janeiro.

Obra
Poesia: O caminho para a distância (1933); Forma e exegese (1935); Ariana, a mulher (1936); Novos poemas (1938); Cinco elegias (1943); Poemas, sonetos e baladas (1946); Livro de sonetos (1957); Novos poemas II (1959); O mergulhador (1965); A arca de Noé (1970).
Prosa: O amor dos homens (1960); Para viver um grande amor (1962); Para uma menina com uma flor (1966): crônica.
Teatro: Orfeu da Conceição (1955); Pobre menina rica (1962) – em parceria com Carlos Lyra.
Vinícius de Moraes foi um eterno apaixonado, casou-se 10 vezes e, segundo uma de suas irmãs, “ Sua vida não foi mais que a busca da mulher amada, a cuja beleza física e perfeição interior dedicaria praticamente toda sua obra poética.”
A MULHER QUE PASSA
Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e súplicas
Dentro das noites, dentro dos dias!
[…]
Em Novos poemas , desponta os primeiros sinais de sensualismo e erotismo que, mais tarde, caracterizariam sua obra.
Na foto abaixo, um encontro de gigantes: Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Mário Quintana e Paulo Mendes Campos, na casa de Rubem Braga.

A obra de Vinicius retrata não só amores, desilusões e paixões; há forte engajamento político em sua obra.
O poema abaixo refere-se ao lançamento da bomba atômica, em 1945, no Japão, que deixou mais de 152 mil mortos e 150 mil feridos.
A bomba foi lançada pelos Estados Unidos, sobre Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto, respectivamente.
A ROSA DE HIROXIMA
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa e Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Assim como na poesia, Vinicius também encantou as crianças e jovens. Seus poemas infantis, no livro A arca de Noé, serviram de inspiração para muitos artistas.
O PATO A CASA
Lá vem o Pato Era uma casa
Pata aqui, pata acolá Muito engraçada
Lá vem o Pato Não tinha teto
Para ver o que é que há. Não tinha nada
O Pato pateta Ninguém podia
Surrou a galinha Entrar nela não
Bateu no marreco Porque na casa
Pulou do poleiro Não tinha chão
No pé do cavalo Ninguém podia
Levou um coice Dormir na rede
Criou um galo Porque na casa
Comeu um pedaço Não tinha parede
De jenipapo Ninguém podia
Ficou engasgado Fazer pipi
Com dor no papo Porque penico
Caiu no poço Não tinha ali
Quebrou a tigela Mas era feita
Tantas vez o moço Com muito esmero
Que foi pra panela. Na Rua dos Bobos
Número Zero.

Música
Qual a contribuição de Vinicius de Moraes para a música popular brasileira?
Na trajetória de Vinicius (“O Poetinha”, como era conhecido), podem-se reunir músicas estilo bossa-nova, os sambas, e inúmeras parcerias (Baden Powell, Toquinho, João Gilberto, Tom Jobim entre outros) com temas mais que variados: temas infantis como mostrado acima, amor, política, sensualidade, saudade, infância…


ALGUMAS LETRAS FAMOSAS
Vinícius, com suas inúmeras parcerias, compôs letras e músicas inesquecíveis. Eis duas delas:
ONDE ANDA VOCÊ (Vinicius e Toquinho)
E por falar em saudade
Onde anda você
Onde andam os seus olhos
Que a gente não vê
Onde anda esse corpo
Que me deixou morto
De tanto prazer
E por falar em beleza
Onde anda a canção
Que se ouvia na noite
Dos bares de então
Onde a gente ficava
Onde a gente se amava
Em total solidão[…]
PELA LUZ DOS OLHOS TEUS
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar
Ai, que bom que isso é, meu Deus
Que frio que me dá
O encontro desse olhar
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus
Só pra me provocar
Meu amor, juro por Deus
Me sinto incendiar
Meu amor, juro por Deus
Que a luz dos olhos meus
Já não pode esperar
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus
Sem mais lararará
Pela luz dos olhos teus
Eu acho, meu amor
E só se pode achar
Que a luz dos olhos meus
Precisa se casar
Conclusão
A maravilhosa obra de Vinicius de Moraes é tão extensa e diversificada que fica difícil abranger tudo. Seu leque de amizades, que também impulsionou sua carreira com as belas parcerias feitas, não é para muitos.
Um artista que fez de sua vida e de sua obra um verdadeiro painel de emoções. “Compôs, ao lado de Cecília Meireles, a dupla de melhor lírica de sua geração, porque ambos foram tênues, musicais, amorosos.”
Fica aqui minha sugestão de leitura para quem gosta de belas composições, seja na poesia, ou na música.
Autora:
Ana Paula Ramos
ProfessoraA autora é licenciada em Letras pela Faculdade Niteroiense de Educação, Letras e Turismo (RJ) e pós-graduada em Língua Portuguesa pela mesma faculdade. Ministrou, durante 27 anos, aulas de Gramática e Redação nos ensinos fundamental e médio em Brasília-DF.

Referências:
- https://www.vagalume.com.br/vinicius-de-moraes/pela-luz-dos-olhos-teus.html
- Faraco & Moura. Língua e Literatura. 16. ed. São Paulo: Ática, 1996. v. 3.
- DE MORAES, Vinicius . Poesia completa e obra. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1981.
- RODRIGUES, A. Medina et al. Antologia da Literatura Brasileira. São Paulo: Marco Editorial, 1979.
Créditos de imagens
Capa: Por Ricardo Alfieri – Revista Gente y la actualidad. Año 5 numero 241. 5/03/1970. Buenos Aires, Argentina., Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4309420