A regência verbal é um assunto que ainda deixa muitos usuários da Língua Portuguesa com certas dúvidas. A regência, em especial a verbal, é empregada de forma errônea por muitos e que mal percebem essa inadequação. Lembre-se de que estamos sempre nos referindo à linguagem formal, à norma culta da língua, exigida em qualquer tipo de concurso.
O objetivo deste post, o primeiro de uma série, é apresentar alguns dos verbos mais usados no nosso dia a dia e suas respectivas regências.
Mas o que é regência verbal?
Antes de explicar o que é regência, é preciso saber que alguns verbos não “funcionam” sozinhos. Para eles terem o sentido correto e completo, é necessário ajuda de outras palavras, no caso, as preposições. Veja um exemplo de mau uso da regência verbal na frase abaixo:
Como Maria estava com 39° de febre, resolvemos ir na emergência do hospital.
Para muitos, a frase não teria problema algum. Realmente não há erro se formos pensar numa linguagem mais coloquial, num bate papo com amigos etc. Porém, tal construção configura uma inadequação à língua padrão.
Correção: “Como Maria estava com 39° de febre, resolvemos ir à emergência do hospital.
Ao estudar a regência do verbo IR, neste artigo, você entenderá o porquê do erro.
- Para rever o estudo da crase, clique aqui e leia meu artigo sobre O emprego da crase, neste blog.
Regência verbal é, portanto, a relação de dependência que o verbo tem com os seus complementos. Lembre que o verbo pode ser transitivo (direto ou indireto) ou intransitivo, ou seja, o verbo pode pedir um complemento ou não.
Relembrando:
- Compramos as passagens. (O trecho grifado é o complemento do verbo comprar e sem auxílio de preposição – transitivo direto).
- Preciso de você. (O trecho grifado é o complemento do verbo precisar e com auxílio de preposição – transitivo indireto).
- Acordei, lanchei e estudei. (Os verbos não têm complementos nessa frase, portanto são chamados de intransitivos).
Vale a pena ressaltar que, dependendo do sentido que se deseja empregar, inúmeros verbos têm sentidos diferenciados e, muitas vezes, a regência muda. Isso implica em usar ou não determinada preposição.
A regência verbal de Assistir, Chegar e Ir
1. Verbo ASSISTIR: possui quatro regências diferentes.
a) No sentido de ver, presenciar: é usado com preposição a (transitivo indireto):
Não costumo assistir a peças de teatro sobre comédia.
Você assistiu ao jogo de domingo?
Preciso assistir à palestra da professora para fazer a prova.
Nesse sentido, não se pode substituir o complemento por lhe(s), e sim por a ele(s) ou a ela(s).
-Assistiu ao pôr do sol ontem? -Sim, assisti a ele.
b) No sentido de ajudar, dar assistência é transitivo direto preferencialmente:
A enfermeira-chefe assistiu o paciente na ala 3 do hospital.
Os professores assistiram as crianças para ensinar os exercícios.
c) No sentido de caber, pertencer é transitivo indireto e exige a preposição a:
Corrigir os erros das pessoas não assiste a você.
Esse é um direito que assiste aos trabalhadores da firma.
Nota: Nesse sentido é possível usar o pronome lhe: É um direito que lhe assiste.
d) No sentido de morar, residir é intransitivo:
Muitos políticos assistem em Brasília.
No caso acima, “em Brasília” é um adjunto adverbial de lugar apenas, seguido de preposição em, o que é exigido ao se empregar o verbo assistir nesse sentido.
2. Verbo CHEGAR: possui três regências.
a) No sentido de alcançar data ou local: é intransitivo com a presença da preposição a para indicar o adjunto adverbial.
Cheguei ao portão da faculdade antes da primeira aula.
Chegou à cidade o shopping que todos esperavam!
b) No sentido de ser suficiente, de bastar é intransitivo. Se usados com adjunto adverbial, serão empregadas as preposições para ou de.
Chega de conversa!
Dez minutos não chegam para fazer as questões.
c) No sentido de se aproximar de alguém ou de alguma coisa é transitivo direto e indireto. Nesse sentido, é possível usar pronomes e as preposições são a ou para.
Cheguei meu assento para perto de sua mesa.
Ela sempre quis se chegar a ele.
3. Verbo IR:
a) Verbo intransitivo com o uso da preposição a diante do adjunto adverbial de lugar. Na linguagem padrão, não se admite a preposição em.
Vou às compras quando receber meu pagamento.
Como Maria estava com 39° de febre, resolvemos ir à emergência do hospital.
Aquele menino nunca vai à escola.
Cheguei ao aeroporto na hora marcada.
Na linguagem coloquial, é comum encontrarmos registros com o uso da preposição em:
Aquele menino nunca vai na escola.
Cheguei no aeroporto na hora marcada.
b) No sentido de iniciar é transitivo indireto com preposição a.
Vamos ao que realmente importa!
c) Na linguagem formal, é utilizado com a preposição para quando se há intenção de permanecer em algum lugar:
Iremos para a França estudar Ciência Quântica.
Vamos dar uma parada para fazer alguns exercícios. Releia o conteúdo, se achar necessário, e responda às questões abaixo. Depois, confira o gabarito.
Exercícios de Regência Verbal
Antes de responder às questões abaixo, lembre-se de que as suas respostas devem seguir a norma padrão da língua, salvo orientação contrária. Reveja o estudo da crase se julgar necessário. Leia o comando com muita atenção!
Exercício 1
Leia as frases abaixo e marque as que apresentam erro quanto à regência verbal. Em seguida, justifique o porquê do erro.
- Ele assiste à cidade de Goiânia desde sua adolescência.
- Foi difícil assistir àquela palestra sem entender nada do assunto.
- Nem todos os médicos assistem os seus pacientes com a devida atenção.
- Hoje assisti uma cena lamentável no trânsito.
- Tais direitos e deveres não assistem a nós.
Exercício 2
Complete os espaços em branco com preposição e/ou com artigos adequados, caso seja necessário.
- Fui____ cinema assistir ________ filme de terror e saí decepcionado.
- Cheguei tarde _______ empresa devido a um engarrafamento.
- Ele sempre chega ________ nossos encontros com meia hora de atraso.
- Não vá_____ escola sem levar o casaco.
- Não gosto de ir ______ casa da Julia porque fica distante da minha.
Exercício 3
Ao anunciar um determinado serviço para o consumidor, na propaganda abaixo, cometeu-se um pequeno deslize de regência verbal. Explique essa inadequação.
Exercício 4
(Unifesp- SP) Leia as frases.
- Antes de o ônibus espacial Discovery chegar na Terra, a comandante Eillen Collins chamou a atenção para o ritmo acelerado do desmatamento no planeta.
- O desmatamento no Brasil ocorre devido o agronegócio, a exploração madeireira irracional e a especulação fundiária.
- Segundo as projeções, existem possibilidades de que haja um cenário ambientalmente catastrófico para o estado de Mato Grosso.
Com base nos princípios da regência, está correto o contido em:
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
Exercício 5
(UFF- RJ) Leia o fragmento do texto abaixo:
A chegada
E quando cheguei à tarde na minha casa lá no 27, ela já me aguardava andando pelo gramado, veio me abrir o portão pra que eu entrasse com o carro, e logo que saí da garagem subimos juntos a escada pro terraço, e assim que entramos nele abri as cortinas do centro oposto , lá onde o sol ia se pondo, e estávamos os dois em silêncio quando ela me perguntou “o que que você tem?”, mas eu, muito disperso, continuei distante e quieto[…]
(Raduan Nassar. Um copo de cólera.)
a) Transcreva do trecho um exemplo de regência verbal de uso coloquial.
b) Reescreva a frase “que que você tem” de acordo com a modalidade escrita culta.
c) Identifique, no trecho abaixo, um termo que representa um recurso de ênfase característico de estilização da oralidade e dispensável na modalidade escrita.
Desafios para você!
Exercício 1
(Fuvest-SP) Leia a seguinte mensagem publicitária, referente a carros, e responda ao que se pede.
Potência, robustez e tração 4wd.
Porque tem lugares que só com espírito de
aventura você não chega.
a) A mensagem está redigida de acordo com a norma padrão da língua escrita? Se você julga que sim, justifique-se; se acha que não, reescreva o texto, adaptando-o à referida norma.
b) Se a palavra “só” fosse excluída do texto, o sentido seria alterado? Justifique sua resposta.
Exercício 2
(UFMG) Leia atentamente esta frase:
O acusado vai estar chegando em Porto Alegre, vindo dos EUA amanhã.
Citado por Josué Machado in: Revista Língua Portuguesa, São Paulo, ano II, n. 15,p. 45,2007
Veiculada em jornal de grande circulação no país, essa frase, de acordo com a norma culta da língua, apresenta dois problemas. Com base em seus conhecimentos linguísticos,
a) Identifique e explique esses problemas.
b) Reescreva a frase, de modo a evitar que ela seja alvo de crítica.
Gabarito
Resposta ao exercício 1
1) A- “…na cidade.” Assistir no sentido de morar rege preposição em.
D- “…assisti a uma”. Assistir no sentido de ver exige preposição a.
Resposta ao exercício 2
a) ao; a um.
b) à
c) aos
d) à
e) à
Resposta ao exercício 3
O correto, seguindo a norma padrão da língua, é “Se ir ao shopping…” . O verbo ir exige preposição a diante do adjunto adverbial de lugar.
Resposta ao exercício 4
Letra b.
Correção das demais: “chegar à Terra” e “ ao agronegócio, à exploração madeireira irracional e à especulação fundiária.”
Resposta ao exercício 5
a) “cheguei à tarde na minha casa”. (Cheguei à tarde à(a) minha casa). (Outras respostas são possíveis.)
b) Há várias opções: “O que você tem”, “O que é que você tem” ou “O que tem você.”
c) “…assim que entramos nele…”.
Respostas do Desafio
Exercício 1
a) Não. “Porque há lugares a que só com espírito de aventura você não chega.
O verbo ter não pode ser usado com sentido de existência, e sim o verbo haver.
O verbo chegar exige a preposição A e, nesse caso, fica antes do pronome que.
b) Sim. Ao se retirar a palavra só, fica subentendido que você não chegará a lugar algum com espírito de aventura. A ideia é de que você somente com esse espírito não chegará.
Exercício 2
a) “Vai estar chegando em”. Na estrutura grifada a formação verbal é chamada de gerundismo (verbo flexionado+estar +gerúndio) para indicar tempo no futuro, muito comum na variedade coloquial. Já o verbo chegar exige preposição a.
b) O acusado vai chegar( ou chegará) a Porto Alegre(…).
Bons estudos! E se você quiser uma sugestão de gramática para apoiar seus estudos, deixo aqui a minha recomendação de leitura, Gramática comentada com interpretação de textos para concursos, de Adriana Figueiredo.