VINICIUS DE MORAES – Vida e obra

Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes é uma das figuras mais  intelectuais de nossa literatura e representante da segunda geração do Modernismo.

Poeta, músico, dramaturgo, cronista, jornalista, diplomata e crítico de cinema, formado em Letras e em Direito.

Foi um dos fundadores do movimento musical Bossa Nova. Sua vasta obra é leitura obrigatória para quem aprecia a arte da poesia, do amor e suas consequências. 

Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

Assinatura: Por Almanaque Lusofonista – Obra do próprio, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=50638826

A religiosidade, o amor, o desejo, o cotidiano, o engajamento político, assim como a poesia e a música,  são alguns aspectos da trajetória de Vinicius de Moraes.

Cronologia

1913 – Nascimento de Vinicius de Moraes, na madrugada de 19 de outubro na Gávea (RJ).

1916 – Mudança da família para o bairro de Botafogo (RJ), passando a morar com seus avós paternos.

1917 – Nova mudança para a Rua da Passagem, ainda em Botafogo. Nascimento de seu irmão Helius e o início para a escola primária Afrânio Peixoto.

1920 – Já em outra residência, é batizado na maçonaria.

1922 – Última residência em Botafogo e mudança para a Ilha do Governador.

1923 – Faz sua primeira comunhão na Matriz da Rua Voluntários da Pátria.

1924 – Inicia seu curso secundário no Colégio Santo Inácio, na Rua São Clemente. Inicia sua experiência no coro do colégio e escreve, junto a outros alunos, o épico escolar, em dez cantos, de inspiração camoniana: Os Acadêmicos.

1927 – Forma um pequeno conjunto musical com outros alunos e passa a cantar em festinhas, em casas de famílias conhecidas.

1928 – Compõe, com os irmãos Tapajós, Loura ou Morena e Canção da noite, que obteve grande sucesso popular.

1929 – Torna-se Bacharel em Letras.

1930 – Entra para a faculdade de Direito. Defende tese sobre a vinda de Dom João VI para o Brasil  para ingressar no Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e Sociais. 

1931 – Entra para o Centro de Preparação de Oficiais da reserva (CPOR).

1933 – Forma-se em Direito e termina o Curso de Oficial da reserva. Publica seu primeiro livro : “O Caminho para a distância.”

1935 – Publica “Forma e Exegese.”

1936 – Publica, em separata,  o poema Ariana, a Mulher.” Substitui Prudente de Moraes como representante do Ministério da Educação.

1938 – Publica Novos Poemas. Ganha bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford. Torna-se assistente do programa brasileiro na BBC.

1939 – Casa-se, por procuração, com Beatriz Azevedo de Mello. Volta da Inglaterra devido a II Grande Guerra, encontra com Oswald de Andrade e ambos  retornam ao Brasil.

1940 – Nasce sua primeira filha Susana. Em São Paulo, liga-se a Mário de Andrade.

1941 – Inicia sua carreira jornalística e colabora no Suplemento Literário ao lado de grandes escritores, como Cecília Meireles e Manuel Bandeira.

1942 – Inicia seu debate sobre cinema silencioso e cinema sonoro; nasce seu filho Pedro; chefia uma caravana de escritores a Belo Horizonte sob o convite do então prefeito Juscelino Kubitschek. Inicia a roda literária do Café Vermelhinho, à qual se misturam a maioria de jovens arquitetos e artistas plásticos.

1943 – Publica “Cinco Elegias” e ingressa, por concurso, na carreira diplomática.

1944 – Dirige o “Suplemento Literário” de O Jornal”, em que lança, entre outros, Oscar Niemeyer, Athos |Bulcão e Carlos Scliar.

1945 – Sofre um grave acidente de avião no Uruguai; faz amizade com Pablo Neruda.

1946 – Como Vice-cônsul parte para Los Angeles e estuda cinema com Orson Welles; lança a revista Film.

1949 – João Cabral de Melo Neto, em Barcelona, tira, em sua prensa manual, uma edição de 50 exemplares de seu poema Pátria Minha.

1950 – Reencontra seu amigo Di Cavalcanti, visita seu amigo enfermo Pablo Neruda; morre seu pai;  retorna ao Brasil.

1951 – Casa-se, pela segunda vez, com Lila Maria Esquerdo e Bôscoli. Colabora com o jornal Última Hora.

1952 – Produz uma filmagem, com seus primos, sobre algumas cidades mineiras que compõem o roteiro do Aleijadinho, em vista de um filme. Parte para a Europa, encarregado de estudar a organização dos festivais de cinema de Cannes, entre outras cidades, para a realização do Festival de Cinema de São Paulo.

1953 – Nasce sua filha Georgiana. Entre outros feitos, compõe seu primeiro samba “Quando tu passas por mim.”

1954 – Primeira edição de Antologia Poética

1956 – Estando em Paris, regressa ao Brasil em gozo de licença-prêmio. Nasce sua terceira filha, Luciana.  Publica o poema Operário em Construção. Participa de inúmeros eventos com ilustres, como Antônio Carlos Jobim e João Gilberto. Início do movimento convencionalmente chamado de bossa-nova.

1957 – Publicação de “Livros de Sonetos”, em edição de Livros de Portugal.

1958 – Sofri um grave acidente de automóvel. Casa-se com Maria Lúcia Proença. Lançamento de um LP com várias músicas, entre elas, Chega de saudade, considerado o marco inicial do movimento.

1961 – Começa a compor com Carlos Lira e Pixinguinha.

1962 – Faz composições com Baden Powell, Carlos Lyra, Tom Jobim, João Gilberto, Ari Barroso, Odete Lara e Edu Lobo. Gravação da música “Garota de Ipanema.”

Vinicius de Moraes com sua última esposa, Gilda Mattoso.
Na foto acima, Vinicius com sua última esposa, Gilda Mattoso.

1963 – Casa-se com Nelita Abreu Rocha; parte para Paris na Delegação do Brasil junto à UNESCO. 

1964 a 1967 – Faz shows de grande sucesso com inúmeros músicos de destaque, lança seu livro de crônicas Para uma menina com uma Flor, pela Editora do Autor.

1968 – Falecimento de sua mãe. Primeira edição de sua Obra Poética, pela Companhia José Aguilar Editora.

1978 – Casa-se com Gilda Mattoso.

1980 – Falecimento no Rio de Janeiro.

Obra

Poesia: O caminho para a distância (1933); Forma e exegese (1935); Ariana, a mulher (1936); Novos poemas (1938); Cinco elegias (1943); Poemas, sonetos e baladas (1946); Livro de sonetos (1957); Novos poemas II (1959); O mergulhador (1965); A arca de Noé (1970).

Prosa: O amor dos homens (1960); Para viver um grande amor (1962); Para uma menina com uma flor (1966): crônica.

Teatro: Orfeu da Conceição (1955); Pobre menina rica (1962) – em parceria com Carlos Lyra.

Vinícius de Moraes foi um eterno apaixonado, casou-se 10 vezes e, segundo uma de suas irmãs, “ Sua vida não foi mais que a busca da mulher amada, a cuja beleza física e perfeição interior dedicaria praticamente toda sua obra poética.”

A MULHER QUE PASSA

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.

Seu dorso frio é um campo de lírios

Tem sete cores nos seus cabelos

Sete esperanças na boca fresca!

Oh! como és linda, mulher que passas

Que me sacias e súplicas

Dentro das noites, dentro dos dias!

[…]

Em  Novos poemas , desponta os primeiros sinais de sensualismo e erotismo que, mais tarde, caracterizariam sua obra.

Na foto abaixo, um encontro de gigantes: Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Mário Quintana e Paulo Mendes Campos, na casa de Rubem Braga.

Foto: Moacir Gomes, 1966

A obra de Vinicius retrata não só amores, desilusões e paixões; há forte engajamento político em sua obra.

O poema abaixo refere-se ao lançamento da bomba atômica, em 1945, no Japão, que deixou mais de 152 mil mortos e 150 mil feridos.

A bomba foi lançada pelos Estados Unidos, sobre Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto, respectivamente.

 A ROSA DE HIROXIMA

Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa e Hiroxima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada.

Assim como na poesia, Vinicius também encantou as crianças e jovens. Seus poemas infantis, no livro A arca de Noé, serviram de inspiração para muitos artistas.

O PATO                                                                                      A CASA

Lá vem o Pato                                                                            Era uma casa

Pata aqui, pata acolá                                                                 Muito engraçada

Lá vem o Pato                                                                            Não tinha teto

Para ver o que é que há.                                                           Não tinha nada

O Pato pateta                                                                            Ninguém podia

Surrou a galinha                                                                        Entrar nela não

Bateu no marreco                                                                      Porque na casa

Pulou do poleiro                                                                        Não tinha chão

No pé do cavalo                                                                        Ninguém podia

Levou um coice                                                                         Dormir na rede

Criou um galo                                                                            Porque na casa

Comeu um pedaço                                                                    Não tinha parede

De jenipapo                                                                               Ninguém podia

Ficou engasgado                                                                       Fazer pipi

Com dor no papo                                                                      Porque penico

Caiu no poço                                                                             Não tinha ali

Quebrou a tigela                                                                       Mas era feita

Tantas vez o moço                                                                     Com muito esmero

Que foi pra panela.                                                                    Na Rua dos Bobos

                                                                                                             Número Zero.

Música

Qual a contribuição de Vinicius de Moraes para a música popular brasileira?

Na trajetória de Vinicius (“O Poetinha”, como era conhecido), podem-se reunir músicas estilo bossa-nova, os sambas, e inúmeras parcerias (Baden Powell, Toquinho, João Gilberto, Tom Jobim entre outros) com temas mais que variados: temas infantis como mostrado acima, amor, política, sensualidade, saudade, infância…

Vinicius de Moraes com Toquinho em 1973.
Vinicius de Moraes com Toquinho em 1973. (Wikimedia)
Vinicius de Moraes com Maria Bethânia, em 1972.
Vinicius de Moraes com Maria Bethânia, em 1972. (Wikimedia)

ALGUMAS LETRAS FAMOSAS

Vinícius, com suas inúmeras parcerias, compôs letras e músicas inesquecíveis. Eis duas delas:

ONDE ANDA VOCÊ (Vinicius e Toquinho)

E por falar em saudade

Onde anda você

Onde andam os seus olhos

Que a gente não vê

Onde anda esse corpo

Que me deixou morto

De tanto prazer

E por falar em beleza

Onde anda a canção

Que se ouvia na noite

Dos bares de então

Onde a gente ficava

Onde a gente se amava

Em total solidão[…]


PELA LUZ DOS OLHOS TEUS

Quando a luz dos olhos meus

E a luz dos olhos teus

Resolvem se encontrar

Ai, que bom que isso é, meu Deus

Que frio que me dá

O encontro desse olhar

Mas se a luz dos olhos teus

Resiste aos olhos meus

Só pra me provocar

Meu amor, juro por Deus

Me sinto incendiar

Meu amor, juro por Deus

Que a luz dos olhos meus

Já não pode esperar

Quero a luz dos olhos meus

Na luz dos olhos teus

Sem mais lararará

Pela luz dos olhos teus

Eu acho, meu amor

E só se pode achar

Que a luz dos olhos meus

Precisa se casar


Conclusão

A  maravilhosa obra de Vinicius de Moraes é tão extensa e diversificada que fica difícil abranger tudo. Seu leque de amizades, que também impulsionou sua carreira com as belas parcerias feitas, não é para muitos.

Um artista que fez de sua vida e de sua obra um verdadeiro painel de emoções. “Compôs, ao lado de Cecília Meireles, a dupla de melhor lírica de sua geração, porque ambos foram tênues, musicais, amorosos.”

Fica aqui minha sugestão de leitura para quem gosta de belas composições, seja na poesia, ou na música.


Autora:

Ana Paula Ramos

Professora

A autora é licenciada em Letras pela Faculdade Niteroiense de Educação, Letras e Turismo (RJ) e pós-graduada em Língua Portuguesa pela mesma faculdade. Ministrou, durante 27 anos, aulas de Gramática e Redação nos ensinos fundamental e médio em Brasília-DF.


Referências: 

  1. https://www.vagalume.com.br/vinicius-de-moraes/pela-luz-dos-olhos-teus.html
  2. Faraco & Moura. Língua e Literatura. 16. ed. São Paulo: Ática, 1996. v. 3. 
  3. DE MORAES, Vinicius . Poesia completa e obra. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1981. 
  4. RODRIGUES, A. Medina et al. Antologia da Literatura Brasileira. São Paulo: Marco Editorial, 1979. 

Créditos de imagens

Capa: Por Ricardo Alfieri – Revista Gente y la actualidad. Año 5 numero 241. 5/03/1970. Buenos Aires, Argentina., Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4309420

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